Verdade da Ciência, de Roger G. Newton Dinalivro, 1999, 302 pp.
Sociólogos influentes anunciam, com grande confiança, que os
resultados das ciências, obtidos com muito trabalho e através de muita observação, experimentação e reflexão, durante os últimos
quatrocentos anos, nada têm a ver com a Natureza e o mundo externo em investigação, mas são apenas narrativas, como os mitos
e os contos de fadas, ou o resultado de acordos sociais. É nestes termos que Roger Newton, professor de física na Universidade
de Indiana, apresenta a perspectiva que o irritou ao ponto de o ter levado a escrever um livro "A Verdade da Ciência", publicado
agora entre nós pela Dinalivro. Contra essa perspectiva, Newton defende que os resultados da ciência, embora não se baseiem
em observações puras efectuadas por indivíduos imparciais, "também não são narrativas consensuais ou mitos com objectivos
políticos".
"A Verdade da Ciência" apresenta-se como uma defesa da objectividade
científica. Newton desenvolve essa defesa da melhor maneira: sem perder demasiado tempo com polémicas contra os que negam
tal objectividade, empenha-se na tarefa construtiva de mostrar como as teorias físicas nos permitem efectivamente compreender
a realidade. Só o segundo capítulo, aliás, tem um carácter marcadamente polémico. Nele e no primeiro capítulo, Newton discute
o problema de saber até que ponto a ciência é convencional. Defende que, embora a adopção do método científico seja convencional,
e embora as leis científicas contenham elementos convencionais, não se pode concluir daí que a ciência não passa de convenções.
Deste modo, aceita um convencionalismo moderado, mas rejeita a recente "variante maligna" do convencionalismo, que concebe
as teorias científicas, bem como os próprios factos em que estas se baseiam, como simples construções sociais.
Nos cinco capítulos seguintes, Newton examina diversas questões
metodológicas suscitadas pela ciência. Começa por mostrar como as teorias físicas permitem explicar os fenómenos naturais,
avaliando de seguida o papel desempenhado por alguns dos dispositivos explicativos usados pelos cientistas, como os modelos,
as analogias e as metáforas. Depois, tenta esclarecer o estatuto e a função dos factos na ciência, o que conduz ao problema
decisivo da sua relação com as teorias. O modo como estas nascem e morrem, aliás, também é considerado num dos capítulos.
Newton discute ainda a natureza da matemática, tendo em vista o objectivo de explicar a que se deve o seu enorme poder na
compreensão do mundo físico.
Os temas metafísicos estruturam os últimos quatro capítulos.
Estes, sem dúvida, são ao mesmo tempo os mais densos e os mais interessantes do livro. Neles, investigando o contraste entre
a física clássica e a física quântica, Newton mostra como esta última afectou as noções tradicionais de causalidade, realidade
e verdade. O problema de saber o que, à luz da física quântica, devemos considerar real ao nível submicroscópico, recebe uma
discussão bastante desenvolvida. Newton salienta que os fenómenos quânticos nos ensinaram que a linguagem adequada para as
descrições à escala quotidiana, que inclui as noções de onda e de partícula, não serve para adquirir um entendimento mais
básico da matéria.
O último capítulo, dedicado à verdade científica, retoma as
preocupações iniciais do livro. Será a verdade relativa? Muitos dos que negam a objectividade da ciência pensam que sim, declarando
que a verdade de uma afirmação consiste na sua aceitação consensual no interior de uma comunidade. Contra esta teoria da verdade
como consenso, Newton faz notar que, "se a concordância fosse a definição de verdade, as afirmações científicas consensuais
não seriam tão exactas como costumam ser, antes teriam a tendência para ser tão vagas quanto possível." Mas, mais do que na
questão da definição de verdade, Newton está interessado nos critérios que a permitem reconhecer. E a este respeito saliente
que o "critério mais importante, para averiguar a verdade de uma afirmação, é a sua coerência com uma rede de afirmações que
também sejam consideradas verdadeiras."
Dados os temas que aborda e o desenvolvimento que lhes concede,
"A Verdade da Ciência" deve ser considerada como uma introdução à filosofia da ciência, até porque, como é normal nas obras
deste tipo, não se destaca pela apresentação de teses ou argumentos filosóficos originais. No entanto, como introdução à filosofia
da ciência, este livro de Newton é bastante original, pois discute sempre os problemas filosóficos no contexto das melhores
teorias físicas. A exemplificação, abundante e esclarecedora, é uma das suas melhores virtudes. Mas, sobretudo quando a física
quântica entre em acção, não é possível seguir a discussão sem uma certa formação em física.
Transcrito para este site por:
José Nogueira dos Reis |